Papai Balzac já dizia,
Paris inteira repetia,
Balzac tirou na pinta:
Mulher só depois dos trinta.
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Honoré de Balzac nasceu em Tours, em 1799. Seu pai, Bernard-François, ao casar com sua mãe, tinha 51 anos. Ela se chamava Laure e tinha 18. Sua tarefa consistia em educar os filhos, impondo-lhes punições. Honoré era o filho mais velho, indisciplinado, mau aluno, ficou marcado pela frieza da mãe. O sentimento de rejeição por parte da mãe e a necessidade de se sentir amado e protegido levaram-no a se apaixonar por madame de Berny, que era 25 anos mais velha do que ele.
Ela foi a primeira de uma lista cujos nomes principais são Zulma Carraud, a marquesa de Castries, a condessa Visconti, a duquesa de Abrantes. Nos últimos anos de vida, Balzac se apaixonou por uma mulher polonesa, a condessa Eveline Hanska, que, durante anos, nem conhecia pessoalmente (só através de cartas). E permaneceu fiel a ela, até se casarem.
Honoré de Balzac não era bonito nem elegante. Nos ambientes mais sofisticados, seus modos eram considerados vulgares. Sua conversa, segundo George Sand, era “agradável, mas um pouco cansativa”. Não era considerado um modelo de virtudes. Seus escritos contêm indícios de frivolidades. Curiosamente, algumas dessas frivolidades agradavam aos leitores. No artigo “Teoria do andar”, por exemplo, o escritor explicava que as moças sérias, ao caminhar, movimentam as pernas e os pés formando linhas retas, ao passo que aquelas que já conhecem os prazeres interditos fazem, ao andar, deliciosos movimentos arredondados.
Sabia-se, além disso, que o jovem autor plantava nos jornais artigos nos quais, com pseudônimo, elogiava os escritos publicados em seu nome. E também se sabia que ele fazia trapalhadas com o dinheiro que conseguia obter. Os leitores, contudo, não se escandalizavam; aceitavam-no tal como era, porque tinha um talento que reconheciam como o de um narrador genial.
A curiosidade de Balzac era inesgotável. Ele se interessava ecleticamente por pseudociências, como a “ fisiognomonia” (revelação do caráter pela fisionomia), a “frenologia” (revelação da personalidade pelo formato dos ossos do crânio) e o “mesmerismo” (efeitos curativos da energia transmitida pela ponta dos dedos). Também se interessava pela utopia socialista de Fourier, relembrada em outro capítulo deste livro.
Num dado momento, em 1938, Balzac escreveu: “só tenho certeza da minha coragem de leão e do meu trabalho invencível”. De fato, o projeto de trabalho que ele se propunha a realizar exigia uma coragem de leão. O conjunto dos seus escritos de ficção — que só em 1842 veio a ser intitulado A Comédia Humana — previa 137 romances, contos e novelas. Ao longo dos volumes da Comédia Humana, Balzac concluiu a redação de 86. Para chegar às 86, foi necessária uma enorme paixão. E, como dizia o próprio Balzac, “as grandes paixões são raras como as obras-primas”.
Balzac disse uma vez que fazia concorrência ao Registro Civil. Povoou a Comédia Humana com cerca de 2.500 a 3.000 personagens. E mais de 500 deles reapareciam. O público leitor adorou. A identificação do autor com os personagens era tão grande que nunca precisou recorrer a algum catálogo para evitar confusões. Não era necessário: o romancista, por assim dizer, conhecia pessoalmente todo mundo.
Balzac era, notoriamente um conservador. É famosa a sua frase: “Escrevo à luz de duas verdades sagradas e eternas, a Religião e a Monarquia”. Marx e Engels não se deixaram impressionar pela declaração e disseram que aprendiam mais com ele do que com os cientistas sociais, com os filósofos e os economistas do seu tempo. O conservador Balzac mostrava com imensa clareza a invasão dos sentimentos íntimos das pessoas pelo dinheiro. E apontava as consequências da dissolução das famílias pelo individualismo.
Devemos lembrar que, na época, as mulheres casavam cedo, uma moça com mais de 25 anos era considerada “encalhada”. Foi Balzac que, na literatura, consagrou a mulher de trinta anos, a “balzaquiana”. Numa cena de sedução, ele chega a chamar a atenção dos leitores para os encantos de Diana de Uxelles, duquesa de Montfrigneuse, princesa de Cadignan, uma quarentona que lia muito durante o dia para à noite puxar assunto com o escritor D'Arthez, um intelectual tímido por quem ela estava apaixonada. E a quem ela indaga, com toda a candura: “Encaminho-me para os quarenta anos. É possível amar uma mulher tão velha?”.
Leandro Konder é filósofo e escritor. Este texto é um capítulo do seu livro Sobre o amor (Boitempo, 2007).
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