domingo, 21 de dezembro de 2008

Natal: estupro, drogas e capitalismo!


Natal, ok? Uma das datas mais importantes para aqueles que acreditam no calendário cristão. Porém, o que vem a ser o Natal? Que ele celebra a manifestação de Deus em ser humano em Belém (cidade palestina próximo a Jerusalém) todos sabem, mas qual a origem disso tudo? Para pensar um pouco sobre isso, é melhor não pensar sobre outros dados importantes, por exemplo o fato de não haver quaisquer provas materiais sobre a existência de Jesus. Deixando de lado essa informação, vamos tentar perceber qual a origem disso tudo e suas conseqüências.

Durante a Idade Média (séculos V até XV do calendário gregoriano), a Igreja Católica adquiriu um poder que, para muitos, era maior até que o antigo Império Romano do Ocidente. Por meio do controle ideológico e do monopólio da cultura eclesiástica, a Igreja de Roma, fundamentalmente urbana e centralizada, impunha seus dogmas sobre a cultura pagã (do latim pagani, ou seja, camponês) em um processo violento de aculturação, semelhante ao que os colonizadores fizeram, alguns séculos mais tarde, com os nativos da América, África e Ásia ao longo de séculos de brutal colonização.

Entre os camponeses existia, desde séculos antes do nascimento da Igreja de Roma (criada no século V d.C.), a manutenção de uma forte tradição cultural pagã greco-romana, pré-cristã, que associava elementos da cultura bárbaro-germânica, onde rituais e crenças não aceitos pelo clero eram mantidos. Porém, a Igreja de Roma fez mais que simplesmente esmagar essas tradições populares. Ela se utilizou da força dessas tradições culturais presentes no imaginário coletivo para fortalecer a si mesma. É o caso da definição do nascimento de Cristo, historicamente imprecisa, e a celebração do Natal que a Igreja Católica fez coincindirem com uma antiga comemoração pagã da época dos romanos, em homenagem a Saturno (que era deus do Tempo, assim como Cronos, para os gregos).

As festas romanas em homenagem a Saturno, também chamadas de Saturnais (que se iniciavam no dia 17 de dezembro e seguiam por mais sete dias, sendo que até mesmo as guerras eram suspensas para as comemorações), comemorando o solstício de inverno, assim como outras festas pagãs, eram repletas de elementos da natureza e de facetas explicitamente sexuais (como a festa do Entrudo, por exemplo). Os católicos recriminavam tanto o apego aos elementos naturais quanto aos elementos sexuais. Porém, a tradição dessas festas estava de tal forma enraizada na cultura popular dos camponeses que a Igreja de Roma precisou domá-las não simplesmente proibindo sua comemoração e matando quem fugisse às regras. Isso poderia gerar perda de apoio ao invés de obtenção. O aconteceu foi que a Igreja romana assimilou a data das festas para seu calendário e impôs uma comemoração a respeito de algo fictício (a materialização de Deus em homem), de modo que pudesse reforçar ainda mais o seu poder. A origem do Natal está na violenta dominação do cristianismo sobre as outras culturas.

Todo calendário é uma forma de controle social. Ao controlar o tempo, controla-se também a maneira como as pessoa vivem, produzem, pensam, etc. Objetivando cristianizar a cultura pagã européia por meio do controle do tempo, no ano 324 d.C., o Papa Júlio I instituiu a comemoração do Natal, sacramentando a data do suposto nascimento de Cristo no dia 25 de dezembro. Há outra versão que defende que a primeira celebração do Natal de maneira semelhante como acontece atualmente, deu-se pela primeira vez no ano de 336 d.C. Trata-se, em todo caso, de uma data criada para garantir a dominação da Igreja de Roma sobre as demais culturas. A data, etretanto, não foi escolhida aleatoriamente. Além das Saturnais, na Mesopotâmia o Natal já era celebrado por meio de um festival simbolizando, na verdade, a passagem de um ano para outro.

A própria simbologia natalina reflete este projeto bem sucedido de dominação da Igreja Católica sobre as demais culturas. No Egito antigo, os tamarindos eram considerados símbolos da vida e, no solstíco de inverno, seus ramos eram colocados dentro das casas e adornados. Adornar uma árvore com guirlandas (coroas de flores) sobre as portas, ou seja, montar uma árvore de Natal era algo que já ocorria nos rituais em homenagem ao deus Odin, dos povos nórdicos. O azevinho, o visco e a hera eram todas ervas consideradas mágicas pelos druidas, pois mantinham-se verdes em pleno inverno. As guirlandas, feitas de visgo, eram plantas medicinais utilizados pelos druidas. Estes também penduravam maçãs douradas nos carvalhos para as comemorações. Na época escolhida por Júlio I para se comemorar o Natal, ou seja, no solstício de inverno, as guirlandas eram penduradas nas portas casas e ornamentavam as árvores. Já entre os pagãos romanos, adorava-se a Saturno e enfeitava-se carvalhos. A vidima era embelezada em homenagem a Baco, assim como as oliverias para a deusa Minerva.

As comemorações do Natal são frutos, portanto, de um projeto explicto de dominação católica sobre os territórios do antigo Império Romano e até além dele. Para isso, era fundamental substituir as culturas existentes até então pela cultura que garantisse o poder da Igreja de Roma, a única instituição sólida da Europa ocidental ao longo da Idade Média. É isso que faz com que o Deus que havia se tornado homem se tornasse central na concepção de mundo cristã. Isso garante a vitória da religião por meio de uma cronologia e de um controle de tempo baseado em Cristo. Ao controlar o tempo, a Igeja de Roma controlava as pessoas.

O sistema cronológico da Era Cristã surge em Roma, no ano de 525 d.C., pelo ábade Dioniso, o Pequeno. Seu fundamento é o nascimento de Cristo, fato que teria ocorrido supostamente em 25 de dezembro. Porém o início do primeiro ano cristão houvera sido adiado para o 1° de janeiro seguinte. Dioniso pretendia coincidí-lo com o ponto de partida do calendário romano. O Anno Domini (Ano do Senhor), foi calculado como sendo o 754 do cálculo romano, que começa com a fundação da cidade de Roma, em 753 a.C. Dessa forma, o calendário cristão não se inicia com o ano do pretenso nascimento de Cristo, e sim com o seguinte, considerado o ano I. Não houve um ano 0. Nem há sequer essa representação numérica nos algarismos romanos e demoraria ainda alguns séculos para a Europa entrar em contato com os algarismos arábicos. Desse fato temos, até hoje, que todo fim de época no calendário cristão termina em ?00?. O ?00? representa o fim, e o ?01? o começo. Na verdade, a grande inovação de Dioniso foi fornecer ao cristianismo uma data inaugural para a vida coletiva dos cristãos, algo como um marco fundador da identidade cultural cristã.

Apenas a partir do pontificado de João XIII (965-972) que o calendário de Dioniso passou a ser utilizado pela cúpula católica, mas somente no século XV ele se tornou oficial. Entretanto, apresenta um grave equívoco no seu fundamento, pois Dioniso errou seus cálculos sobre o suposto nascimento de Jesus Cristo. Caso tenha ocorrido, isso se deu entre 4 e 7 a.C., provavelmente no ano chamado de 6 a.C. Desse erro, conclui-se, obviamente, que todo o calendário cristão está errado. Quando em 1582, já no século XVI, o Papa Gregório XIII ordenou uma reforma no calendário (dando origem ao calendário gregoriano) sabia-se do problema, mas não foi solucionado para não ter conseqüências negativas para as práticas dos fiéis e suas concepções religiosoas. Após a reforma gregoriana, surgia o calendário que ainda hoje é utilizado em grande parte do mundo. Dessa forma, o Natal é um erro em si!

Recentemente, assistimos atônitos à ascenção ao principal cargo da Igreja Católica um antigo membro da Juventude Hitlerista, Joseph Hatzinger, agora denominado Papa Bento XVI. Se compararmos sua história com a da Igreja de Roma verificaremos que não há muito de contraditório em um antigo defensor do Nazismo comandá-la. Antes de ser Papa, ele era o principal homem da Congregação para a Doutrina da Fé (a mesma Santa Inquisição, das famosas torturas e ?autos de fé?, sob outro nome).

Desde que assumiu o papado, Hatzinger faz declarações de caráter ultra-reacionário contra a liberdade de escolha do ser humano em questões estritamente pessoais, como aborto, opção sexual, etc. Enfim, nenhuma surpresa. O fato é que, em dezembro de 2005, ele esboçou algumas críticas ao consumismo que assola o Natal. Dessa situação podemos perceber que a hipocrisia (principal pilar do cristianismo e de outras religiões) está fortemente inserida nos discursos de Hatzinger. Afinal, no mesmo mês, próximo ao Natal, ele desfilou com a touquinha do Papai Noel defendendo a magia da sacro-data. Ora, qualquer cristão minimamente bem informado sabe que o Papai Noel é o expoente máximo do consumismo.

Há inúmeras tradições folclóricas a respeito da origem do ?bom velhinho?. Uma delas afirma que ele é oriundo da região de Constantinopla (atual Istambúl, Turquia), capital do antigo Império Bizantino, e seu mito foi baseado em um bispo da Igreja Cristã Ortodoxa que viveu na cidade de Myra, na Ásia Menor. Tratava-se de Nicolau (281-350 d.C.). Herdeiro de uma vasta riqueza, distirbuiu alimentos, roupas e presentes aos pobres. Às vezes dava simplesmente dinheiro. Os presentes eram sempre acompanhados de uma mensagem para que os afortunados agradecessem a Jesus pela dádiva. O período do ano em que mais distribuia suas doações era no inverno, pois sabia que era quando os pobres morriam mais. O bispo Nicolau também era conhecido conhecido pelo extremo carinho que com que se entregava às crianças. Em sua homenagem foi criado o costume de se distribuir presentes às crianças pobres ao longo de dezembro, mês de aniversário do bispo, coincidindo com as comemorações do Natal que a Igreja Romana impunha a todas as regiões. Essa doação de presentes foi cristalizada a partir do século VII, com Papa Bonifácio. Em pregação pela Turíngia (região da Alemanha), ele distribuia pão benzido aos necessitados em troca de presentes, no dia 25 de dezembro.

No século XVI, com a Reforma Protestante e a Contra-Reforma Católica, a homenagem a São Nicolau (St. Nicholas) se enfraqueceu na Europa. Na Holanda, entretanto, o mito persistiu, mas agora o antigo bispo era chamado de Sinter Klass, significando ?homem que adora crianças?. Ainda sob a sombra dos conflitos religiosos na Europa, levas de imigrantes partem para outros continentes. No século XVII, a lenda de Sinter Klass, aportou com holandeses nas 13 Colônias (atual EUA), na região de Nova Amsterdã (atual Nova Yorke) e São Nicolau foi rebatizado como Santa Claus (uma alteração fonética natural oriunda do termo alemão ?Sankt Niklaus? e do termo holandês ?Sinterklass?, significando em português, literalmente, Papai Natal).

Desde então, até a primeira metade do século XX, as representações do Papai Noel demonstravam-no como um gnomo de barba branca. Ele também já foi descrito como alto e magro. Já vestiu roupa de cor verde, azul, amarelo e até mesmo marrom. Havia também, até a década de 20 do século XIX, a imagem de um Papai Noel como um bispo raquítico que visitava crianças para lhes dar tanto disciplina quanto presentes, sendo que suas ações não ocorriam necessariamente durante o Natal. No ano de 1823, Clement Clarke Moore popularizou a versão do velho Noel chegando num trenó voador puxado por oito delicadas renas no poema ?Account of a Visit from St. Nicholas?, mais conhecido como ?The Night Before Christmas?. Deixando de lado a possibilidade de, na verdade, esse poema ser de autoria de Henry Livingston Jr. (que o publicou, em 1823, num jornal de Nova Yorke), na composição de Moore, cuja autoria ele reinvindica somente em 1837, São Nicolau é apresentado como um velho gordo e alegre fazendo gracinhas com seu cachimbo.

Já é fato conhecido que Moore se baseou fortemente em fontes literárias populares, principalmente em ?Knickerbocker History? (1809), de Washington Irving, e um poema natalino chamado ?The Children?s Friend? (1821). O primeiro poema é uma sátria aos holandeses em Nova Yorke, onde é apresentada a lendária figura de St. Nicholas, (o Sinter Klass holandês), um velho severo de trajes escuros que entregava presentes às crianças uma vez ao ano. Já no segundo poema, surge pela primeira vez a figura de um trenó e de renas. Esses poemas certamente influenciaram Moore. Em sua obra, supostamente composta para sua filha de seis anos, o autor revive a maioria das descrições dos cidadãos holandeses reproduzidas nos contos da época: gordos, felizes, com suas longas barbas brancas, alguns de casacos vermelhos, botas e cintos de couro. É com essa imagem que ele substitui a de um St. Nicholas sisudo por um bonachão agradável.

Sobre as renas, vale dizer ainda que a rena do nariz vermelho surgiu após as demais. Baseando-se no mito popular sobre Rollo (ou Reginald), uma rena com um nariz brilhante como um farol que guiava o Papai Noel ao longo da noite, Robert L. May, funcionário da rede de lojas de departamento Montgomery Ward, criou, em 1939, ?Rudolph the Red-Nosed Reindeer?. Apesar das restrições de Sewell Avery, presidente da rede, quanto à possibilidade de associarem o nariz vermelho às drogas e ao alto consumo de bebidas alcoólicas, May convenceu a rede de lojas a adotar a rena como uma espécie de adorno de propaganda para a loja. Deu certo! Já no ano de sua criação, 2.4 milhões de pessoas possuiam uma rena do nariz vermelho em suas casas. Em 1946, a Rudolph já estava presente em mais de 6 milhões de lares.

Voltando ao Santa Claus, em 1848, Theodore C. Boyd realiza a primeira ilustração do ?bom velhinho? separada do livro de Moore. É interessante que, em sua gravura, as referências com as imagens contemporâneas são escassas. O Papai Noel anda sobre chaminés, possui uma enorme barriga sem ser gordo (característica típica de beberrões) e uma barba branca. De resto, não possui bigode, não calça botas. As únicas peças de sua indumentária que remetem ao inverno são um casaco supostamente vermelho e um chapéu preto. Chama a atenção o fato de ele possuir características físicas típicas de um duende: orelha pontuda, mãos pequenas com dedos tortos e unhas afiadas, nariz longo e afinado, olhos pequenos, um sorriso esticado e sombrio, um cachimbo (tal como aparece no poema de Moore) e um saco de brinquedos que parece feito de galhos e folhas.

Em 1863, o cartunista norte-americano Thomas Nast também optou por dar formas ao personagem relatado no poema de Moore e desenhou, no Harper?s Weekly (antigo semanário dos EUA), um velhinho com traços humanos bonachão, de barba e bigode brancas, de enorme barriga e carregando dezenas de brinquedos, além de um longo cachimbo com o qual ele se diverte com a fumaça. Ao invés de um saco, ele porta uma mochila e em sua cabeça há uma espécie de gorro coberto por folhas. Em todo caso, a imagem de um gnomo barbudo é definitivamente solapada somente na década de 30 do século XX. Em meio à Grande Depressão, a Coca-Cola começou a utilizar a imagem do Papai Noel para realizar sua agressiva publicidade.

A marca de refrigerantes surgira em 1886, em Atlanta, Geórgia, EUA (onde, em 8 de março, vendeu sua primeira garrafa de refrigerante por apenas US$ 0,05), criada pelo farmacêutico John S. Pemberton, que produzia uma espécie de xarope que prometia curar ?todos os males da alma e do corpo?. No ano de 1887, o farmacêutico vendeu a fórmula secreta a Asa Griggs Candler, por US$ 2.300. Este, sem perder tempo, criou a The Coca-Cola Company. Seguidor da Igreja Metodista, Candler, conseguiu se eleger prefeito de Atlanta em 1916. No ano de 1919, ele vende a The Coca-Cola Company para Ernest Woodruff e alguns investidores. Recentemente foi comprovado o uso da folha de coca (matéria-prima da cocaína) na composição da ?fórmula secreta? do refrigerante que leva o nome da empresa. A presença de cocaína ainda não foi comprovada pois a Coca-Cola se nega a revelar a totalidade da ?fórmula?. Vale lembrar que além de tratar ?todos os males da alma e do corpo?, o efeito corrosivo do refrigerante o torna ótimo para desentupir pias!

Em pouco tempo a empresa se alastraria para o planeta. Mesmo que para isso não seguisse os procedimentos juridicamente apropriados. No Brasil, por exemplo, a empresa começa a atuar ilegalmente em 1941, sendo produzida de forma clandestina pela Fábrica de Água Mineral Santa Clara, em Recife (Pernambuco), e, posteriormente, também em Natal (Rio Grande do Norte). Na época, inúmeros soldados brasileiros e norte-americanos circulavam pela região, conhecida como ?Corredor da Vitória?, ponto de parada dos navios que se dirigiam para a o norte da África e sul da Europa durante a Segunda Guerra Mundial (1939-45). A empresa só veio a atuar legalmente no Brasil em 1942, quando foi montada a fábrica da Companhia no Rio de Janeiro, a ?Rio de Janeiro Refrescos?, que produzia garrafinhas de Coca-Cola 185 ml.

Antes mesmo da Segunda Guerra Mundial, no ano de 1931, a Coca Cola inicia uma polêmica campanha de publicidade para adestrar crianças e torná-las consumidoras eternas. Nesse ano, a empresa contrata o artista gráfico alcoólatra Haddon Sundblon para formular uma campanha publicitária baseada na cultura popular e que garantisse que o público menor de 12 anos chegasse em uma idade avançada vendo na Coca-Cola a materialização da paz universal, mesmo em tempos de crises. Para tanto, Sundblon remodela a imagem do Papai Noel cristalizando a figura de um velho bonachão, carinhoso, sorridente, eternamente alegre, ligeiramente engraçado por ser desajeitado (ébrio, quem sabe?), e, acima de tudo, vestido de vermelho e bebendo uma deliciosa e refrescante Coca-Cola após gerar felicidade para todas as crianças bem comportadas. A campanha começou a ser veiculada na revista Saturday Evening Post (suplemento semanal de um diário dos EUA com o mesmo nome). Basicamente, o que vemos no atual Papai Noel nada mais é do que o garoto propaganda de uma das maiores empresas do mundo, um ícone da cultura comercial contemporânea. É a apropriação do Capital sobre a cultura popular. A Coca-Cola Company, astutamente, não registrou a imagem do ?bom velhinho?, garantindo dessa forma uma maior divulgação de um de seus principais propagandistas.
Para refazer a figura do Santa Claus, Haddon Sundblon se inspirou em um amigo seu, o vendedor aposentado Lou Prentice. Ele serviu de modelo para Sundblon pintar seus quadros para a Coca-Cola entre 1933 e 1936. Não apenas o amigo de Sundblon era retratado, como as crianças presentes nos anúncios eram filhos e netos do pintor. Após a morte de Lou Prentice, Sundblon passou a retratar a si mesmo nas imagens. Seus traços nórdicos e sua face constantemente ruborizada pela intensa ingestão de bebidas alcoólicas contribuiram para sua arte. Até o ano de 1966 suas pinturas foram utilizadas pela Coca-Cola.

Dessa forma, a mensagem do Papa Bento XVI contra o consumismo usando um gorrinho de Santa Claus é de uma hipocrisia indescritível. Era a Coca-Cola que estava na cabeça do Papa. É em nome da perpetuação do Capitalismo que ele atua. Basicamente, ele abençoou o fato de nossas comemorações acontecerem da maneira como uma empresa ordenou que elas ocorressem. Há uma outra versão, defendendo que antes de existir o Papai Noel da Coca-Cola, a origem deste Papai Burguês se deu nas lojas da Macy's (uma das principais redes de lojas de departamentos do mundo, sediada em São Francisco, Califórnia, EUA). Segundo esta versão, com a intenção de intensificar suas vendas, a Macy?s desenterrou uma lenda alemã de ?Sankt Niklaus? e, a partir dela, criou o Papai Noel mais aproximado com a imagem contemporânea. À Coca-Cola coube, portanto, universalizar definitivamente a idéia, recriando sua imagem da forma como a conhecemos hoje. Tanto é que não nos damos Coca-Cola de presente no Natal, mas sim roupas, brinquedos, etc., todos produtos existentes nas mega-lojas da Macy's. Em todo caso, tanto em uma versão quanto em outra, vemos nosso pensamento e nossa forma de se relacionar com os outros mediados por uma mercadoria. O Papai Noel, assim como a rena de nariz vermelho, é apenas um logotipo de uma empresa que nos provoca poluição mental há décadas. Nossa sociabilidade existe apenas se comandada por uma empresa que nos escraviza com suas mercadorias. Somos transformados em uma mercadoria, somos consumíveis. Sem a mercadoria, o que seria do Natal hoje?...

Toda essa longa reflexão sobre as supostas origens do Natal têm por objetivo chamar a atenção para o que se tornou essa comemoração. Consumo! Apenas consumo! Nas últimas semanas, as pessoas flagram a si mesmas extremamente preocupadas com o que irá comprar ou ganhar. Os próprios religiosos aceitam isso tranqüilamente. Afinal, conforme demonstrado acima, o cristianismo só conseguiu se manter firme ao longo de séculos se apropriando de culturas populares e esmagando aqueles que não seguissem seus dogmas. O ícone do Natal não é o presépio, mas sim o Shopping Center compulsivamente enfeitado. Nunca vi nenhum religioso pregando o boicote às compras. O Natal está resumido ao acesso a novas propriedades. Os pobres e miseráveis que não têm acesso a novas propriedades devem se contentar com a luz divina e alguma instituição de caridade que distribua um sopão por aí. Talvez até daremos alguns presentes para os miseráveis morar: roupas e brinquedos velhos, nosso lixo! Ao longo do ano inteiro exigimos mais segurança contra os pobres, exigimos a pena de morte e a redução da maioridade penal, queremos ver as mulheres que fazem aborto mortas, desejamos pela morte e destruição dos favelados, sentimos ódio e medo das crianças nos faróis, porém, como agora é Natal, ficamos solidários! Onde estava toda a bondade antes do Natal e aonde ela será enfiada posteriormente?... É mesmo um surto da síndrome de Milú Vilela!

A mesma hipocrisa que Bento XVI aplica sobre o mundo está presente em cada uma das casas que comemoram o Natal, onde as pessoas sorriem e tratam com cordialidade parentes desaparecidos por tempos e, até então, mal falados nos encontros familiares. É o panegírico da falsidade e da mediocridade. As brigas que ocorrem o ano todo simplesmente são escamoteadas pela possibildiade de ganhar mais e mais propriedades. Toda a felicidade do Natal, portanto, nada mais é do que fruto da ilusão, da hipocrisia e do Capitalismo. Ilusão pois não existe em si: retira-se o comércio, não sobra nada. Esse feriado, mais do que outros, é apenas uma forma do Capital se movimentar. A mídia veicula funcionários idiotizados e, portanto, felizes por trabalharem até ao longo da madrugada no dia 24 de dezembro, ao mesmo tempo em que há consumidores imbecilizados e, portanto, felizes por poder fazer compras na madrugada do dia 24 de dezembro. Ambos garantem a riqueza e, portanto, felicidade dos abastados donos das lojas que as abrem na madrugada do dia 24 de dezembro. Eles, obviamente, não estão nelas trabalhando. Dá uma triste sensação de que está tudo perdido.

São os valores e os sentimentos das pessoas que estão sendo negociados. O Natal, assim como suas próprias vidas, passa a ser a quantidade de dinheiro que possuem na carteira. Elas se transformam em uma mercadoria. Não há Natal sem mercadoria. Ele é a celebração de toda a miséria humana, e a recebemos com um largo sorriso no rosto... Ano após ano.

A MATEMÁTICA CAPITALISTA E O NATAL DO FUTURO.

É comum ouvirmos falar sobre um tal custo/benefício de algum produto ou serviço. De modo geral, todo mundo entende que o que se quer dizer é que há uma relação satisfatória entre os benefícios e o preço que se paga por eles.

Até aí, nenhuma novidade.

Se formos para um lado mais matemático, no entanto, poderemos saber exatamente, em números reais e expressivos, a dimensão de tal relação em um determinado produto. Pretendo convencê-los de que a mão invisível de Adam Smith não organizou as parcelas à esmo: há muito da doutrina capitalista nessa inocente fração.

Vamos lá: suponha que você, já imerso no frenesi consumista pré-natalino, vai fazer as compras para o fim do ano. O dinheiro é curto, como sempre, e então você se lembra da fórmula acima e tenta aplicá-la para maximizar suas compras.

Com uma calculadora em mãos, você vai de loja em loja procurando pelos produtos mais baratos e com o melhor benefício, mas logo nota uma propriedade curiosa de tal equação: para obter-se um custo/benefício alto, ou seja, para que o resultado da fração seja o maior possível, é preciso que o numerador seja maior do que o denominador, certo?

Em outras palavras, é preciso que o custo seja maior do que o benefício para que a relação resulte em um número mais expressivo. Em português bem claro: quanto mais você pagar, melhor.

E a lavagem cerebral capitalista não pára por aí.

Apesar de vivermos nesse caótico mundo pós-moderno ultraconsumista, de vez em quando temos sorte. Suponhamos, mais uma vez, que você, já desiludido e bradando ofensas à progenitora de Adam Smith, acabe encontrando, esquecido no chão por alguém muito apressado, um presente qualquer.

Pega-o e pensa, esboçando um sorriso: "isso sim é custo/benefício!" E exclama um palavrão qualquer.

Mas é aí que você se engana. Ao encontrar o presente esquecido na calçada, não houve gastos, o que significa que o custo dele foi zero, e você teve apenas os benefícios. Para qualquer pessoa normal, esta seria uma relação perfeita. Mas qual! Quantifique os benefícios e faça as contas: com o numerador igual à zero, independentemente do quão sensacional for o objeto encontrado, a relação custo/benefício será igual a zero.

Ganhar ou encontrar coisas é mesmo um péssimo negócio...

Essa faceta perversa da matemática capitalista deve ser parte de um plano sutil e malicioso de se imputar nas cabeças de nossas crianças que o bom não é ganhar presentes, mas comprá-los.

A tendência, se formos seguir tal raciocínio, é que num futuro próximo a figura do Papai Noel (símbolo máximo do consumo) modificar-se-á um pouco para se adequar à essa matemática tendenciosa que rege o mundo: é possível que o bom velhinho passe a visitar as residências em horário comercial, empunhando não um saco cheio de presentes, mas uma máquina de cartão de crédito para que as crianças possam comprá-los -- e eles seriam entregues em até dois dias úteis, com o frete incluso no preço, graças ao eficiente e secular sistema de renas e trenós.

(É importante salientar que, nesse mesmo futuro próximo, toda criança terá, além de um celular, o seu próprio cartão de crédito, para que aprendam desde cedo os verdadeiros valores da sociedade.)

As crianças menos abastadas poderão parcelar o presente em até 12 vezes, com juros módicos, comprometendo-se a depositar sua mesada na conta do senhor Noel, no paraíso fiscal da Lapônia. Aqueles que não conseguirem arcar com as dívidas até o natal seguinte, devem pedir a falência pessoal e terão todos os seus brinquedos confiscados e destruídos.

Caso o dinheiro da mesada não seja o bastante, receberão junto com a primeira fatura um pequeno Guia do Empreendedor Juvenil, ou algo que o valha, e uma caixinha de balas para que estejam aptas a iniciar seu próprio negócio, vendendo guloseimas nos semáforos para aqueles que compram seus presentes à vista...

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

"A CRISE"

Executiva Nacional aprova medidas para enfrentar a crise

por Edson Miagusko



No último final de semana a Executiva Nacional do PSOL se reuniu em Brasília. O tema principal da reunião foram as ações do PSOL frente a grave crise econômica que afeta o mundo e já chegou com força ao Brasil. As primeiras medidas tomadas pelo governo Lula reforçam a linha de proteção ao capital financeiro, mas pouco protegem os trabalhadores. O recente pacote lançado pelo governo Lula não muda essa perspectiva.

A Vale do Rio Doce já anunciou a demissão de 1300 trabalhadores, enquanto 5500 permanecem em férias coletivas. A Volvo do Brasil demitiu 430 trabalhadores em Curitiba, enquanto outras montadoras como a GM, a Scania e a Fiat já colocaram milhares de trabalhadores em férias coletivas. O setor da construção civil anuncia a possibilidade de demissões para 100 mil trabalhadores até o final do ano. Mesmo o crescimento de 6,8% do PIB é mais fruto do ciclo anterior que propriamente um indício que a crise não chegou, mesmo com a comemoração artificial que se seguiu aos anúncios.

As últimas semanas mostram que a crise chegou definitivamente ao Brasil e não é uma simples marolinha. O governo socorre os bancos, as montadoras e o agronegócio, enquanto os trabalhadores começam a pagar a conta.

O debate principal girou em torno de qual deve ser o centro da ação do partido nos próximos meses. O PSOL tem uma marca construída na luta contra a corrupção e deve preservá-la. Mas, o debate apontou que o partido deve ter como eixo principal as ações para enfrentar a crise econômica. Para tanto, o PSOL irá propor uma plataforma emergencial contra a crise a ser construída com outros setores, como os movimentos sociais, setores de esquerda, sindicatos, intelectuais, sem-terra, sem-teto, cujo objetivo é promover um ato unitário contra a crise, no Rio de Janeiro no primeiro trimestre do próximo ano.

Esta plataforma está centrada em pontos que enfrentem a crise do ponto de vista dos trabalhadores como a defesa do emprego e do salário, o fim do superávit primário e a ampliação dos gastos sociais, a defesa dos aposentados e o fim do fator previdenciário, o controle de capitais, a redução drástica dos juros, dentre os vários pontos que ainda serão articulados como pauta com outros atores dos movimentos sociais.

Além disso, foram debatidas e aprovadas resoluções sobre o Fórum Social Mundial, o Congresso do Partido, as coligações não autorizadas e a questão sindical.

II Congresso do PSOL

A resolução aprovada terá como principal tema o debate e as ações do Partido para enfrentar a crise. Além disso a formulação das bases de um programa para o Brasil,a preparação de uma plataforma alternativa para as eleições de 2010 e as tarefas nos movimentos sindical e sociais são outros temas pautados.

O Congresso está previsto para ocorrer no final de agosto, em São Paulo. O processo preparatório deve se iniciar em junho.

A resolução aprovada ainda será referendada pelo próximo Diretório Nacional previsto para fevereiro.

PSOL participará ativamente do Fórum Social Mundial

A Fundação Lauro Campos terá três mesas que discutirão a crise econômica mundial e suas conseqüências, a Amazônia e a questão ambiental e a situação internacional. A mesa do primeiro dia contará com a presença de Heloísa Helena e será a principal atividade do PSOL no FSM junto com a tradicional marcha.

Além disso, a Fundação deverá organizar uma mesa conjunta com outras entidades para tratar da questão da dívida pública na América Latina. Recentemente foi aprovada na Câmara a criação da CPI da Dívida Pública, requerimento do deputado federal Ivan Valente, do PSOL. No Equador também foi concluído um processo de auditoria da dívida que comprova que parte da dívida contraída era irregular e ilegal.

A programação e a participação do PSOL estarão disponíveis brevemente no site do partido.

Edson Miagusko é professor, doutor em Sociologia e da Executiva Nacional do PSOL.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

BOCA NO TROMBONE



O dia em que amordaçaram o Brasil

O que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta (da música Meu caro amigo, de Chico Buarque e Francis Hime)


No dia 13 de dezembro de 1968, o marechal-ditador Arthur da Costa e Silva reuniu-se com o Conselho de Segurança Nacional, no Palácio Laranjeiras. Marionetes do ditador, os ministros que compunham o Conselho e não dispunham de qualquer poder efetivo haviam sido convocados para referendar um dos atos mais ignóbeis da história brasileira. O Ato Institucional número 5, assinado por Sas. Excelências, consolidou um regime que, iniciado com o golpe militar de 31 de março de 1964, perseguiu, cassou, calou, torturou e assassinou adversários.

O tristemente famoso AI-5 começou fechando por tempo indeterminado, pela primeira vez desde 1937, o Congresso Nacional. Autorizava demissões sumárias (milhares de pessoas foram demitidas por motivos políticos), cassações de mandatos parlamentares (centenas foram atingidos por esta cláusula), cancelava a liberdade de reunião e expressão (inaugurava-se um período negro nas redações de jornais e revistas, com censura prévia) e suspendia o habeas corpus "nos casos de crimes políticos contra a segurança nacional", entre outros ítens totalitários.

O Ato só foi revogado em dezembro de 1978. Durante dez anos, caiu sobre o Brasil a cortina pesada do silêncio e do medo. Brasileiros foram forçados a se exilar. Muitos dos que combateram a ditadura foram trucidados pelos órgãos de repressão e seus corpos jamais foram encontrados. Derrotar a ditadura exigiu imensos sacrifícios do povo brasileiro.

Faz quarenta anos daquele convescote sinistro, que marcou com ferro em brasa uma geração inteira. Alguns dos signatários do AI-5 ainda estão por aí, posando de democratas (sem jamais, entretanto, terem feito uma auto-crítica). Delfim Netto, por exemplo. Ministro da Fazenda na ocasião, ele não só apoiou a promulgação do Ato, como disse que ele "não é suficiente". Sugeriu que o presidente da República tivesse poderes para alterar a Constituição sem consulta ao Congresso. Esse personagem é hoje incensado por certos círculos do poder como grande oráculo da economia, num desrespeito à memória dos que morreram com a cumplicidade de sua assinatura.

O povo judeu tem grande apreço pela memória. Nela mergulhamos para aprender e projetar o futuro. Achamos fundamental lembrar bons e maus momentos. Quando o noivo quebra o cálice debaixo da chupá (cobertura, usualmente de pano, nos casamentos religiosos judaicos), está misturando um momento de felicidade pessoal com a lembrança da destruição do Grande Templo de Jerusalém. Ao lembrarmos uma passagem triste da história brasileira, o fazemos com duas intenções: a primeira é vacinar, pelo horror da lembrança, contra as tentações ditatoriais que o desespero às vezes traz; a segunda é lembrar que os criminosos ainda estão entre nós e seu canto de sereia não nos deve seduzir. Para eles, há de chegar o braço pesado da Justiça.

DITADURA NUNCA MAIS !

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

DESTINATÁRIO ERRADO

No dia 26 de novembro foi entregue ao Presidente Lula uma carta propondo uma série de medidas de combate à crise econômica. O texto é assinado por sessenta entidades do movimento social. Na lista constam as maiores centrais sindicais, as entidades estudantis e do movimento popular, além do MST e Via Campesina.

Basicamente a carta propõe que Lula deixe de ser Lula e comece um novo governo. Diz textualmente que "devemos aproveitar a brecha da crise para mudar a política macroeconômica de natureza neoliberal, e ir construindo um novo modelo de desenvolvimento nacional, baseado em outros parâmetros, sobretudo na distribuição de renda, na geração de emprego e no fortalecimento do mercado interno". Na verdade o texto da carta esconde um subtexto. Os movimentos sociais que subscrevem a carta ainda acreditam que há espaço para disputa de rumos do governo Lula. Ou seja, depois de seis anos de convivência com um governo que implementa uma "política macroeconômica de natureza neoliberal", ainda acreditam que Lula poderá ser convencido a mudar de rumo, mesmo que estes rumos lhe ofereçam uma ampla base de acordos com o grande capital, com a mídia e com os conglomerados internacionais.

Acontece que Lula age na direção contrária das propostas apresentadas. Cito alguns exemplos significativos.

A carta propõe "o fortalecimento da estratégia de integração regional, que se materializa a partir dos mecanismos como: Mercosul, Unasul e Alba" e do Banco do Sul "para impedir a especulação dos bancos, do FMI, e dos interesses do capital dos Estados Unidos". Nada mais distante da política externa do governo Lula, que reage de forma violenta a cada questionamento feito por países vizinhos as ilegalidades praticadas por multinacionais de origem brasileira, que segue a cartilha do FMI, que não investe na Alba e põe obstáculos para a constituição do Banco do Sul como alternativa as agências internacionais existentes.

A carta propõe acertadamente que seja reduzida "imediatamente as taxas de juros" e que se imponha "um rigoroso controle da movimentação do capital financeiro especulativo" . O governo Lula mantém Henrique Meireles, representante- mor do capital financeiro, a frente do Banco Central, não mexe uma palha para baixar os juros e libera vultosos recursos para salvar os especuladores.

Os movimentos sociais querem que seja revista a política de manutenção do superávit primário e que os recursos do superávit primário sejam utilizados para fazer volumosos investimentos governamentais, na construção de transporte publico e de moradias populares para a baixa renda". Tenho total concordância com esta proposta, mas acontece que Lula quer aumentar ainda mais o superávit primário. Até 1º de dezembro nada mais nada menos do que 45% do suado dinheiro pago pelos cidadãos por meio dos impostos foi drenado para refinanciar a dívida pública interna e externa.

Afirmam que "o governo federal não pode usar dinheiro público para subsidiar e ajudar a salvar os bancos e empresas especuladoras" e que "os bancos públicos (BNDES, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil) deveriam estar orientados não para socorrer o grande capital e sim para o benefício de todos os povos". Nada mais distante das medidas concretas implementadas pelo governo Lula. As primeiras Medidas Provisórias editadas para enfrentar a crise, somadas as portarias e medidas administrativas do Banco Central, foram na direção de proteger os bancos, os especuladores e as empresas que apostaram na especulação.

Para não alongar demais a lista cito um último aspecto. Os movimentos acertadamente apresentam como reivindicação a realização de uma "auditoria integral da dívida pública para lançar as bases técnicas e jurídicas para a renegociação soberana do seu montante e do seu pagamento, considerando as dívidas histórica, social e ambiental das quais o povo trabalhador é credor". Quem ouviu ou leu os pronunciamentos do ministro Amorim acerca das contendas com o Equador e Paraguai não tem dúvida de que a posição de Lula é de manter distância de qualquer investigação sobre a origem, legalidade e legitimidade do enorme endividamento do país.

Considero, portanto, que está na hora do conjunto do movimento social abandonar as restantes esperanças de disputa pelos rumos muito bem delineados do governo Lula. Como nada do que foi proposto pela carta faz parte do programa real do atual governo, nem tem guarita na base social real que interessa ao governo dialogar (no caso banqueiros, grandes empresários nacionais e internacionais) , cabe ao movimento social tomar a decisão mais importante dos últimos tempos: deixar de lado as ilusões e colocar o nosso povo trabalhador em movimento, única forma de evitar que o ônus da crise econômica seja jogado nas costas do povo brasileiro.

Toda crise representa uma oportunidade, como bem disse o presidente Lula. Espero que esta sirva para fazer acordar o movimento social. Que os apoios dados pelo governo as estruturas sindicais, estudantis e sociais não tenham peso maior nas decisões do que os compromissos históricos com as classes trabalhadoras e com milhões de despossuídos que vivem em nosso querido país.

A carta foi enviada pro destinatário errado. Ela constitui um bom começo de uma plataforma unitária de luta contra a crise.


Luiz Araujo

Secretário Geral do PSOL

CARTA MAGNA




A Magna Carta (significa "Grande Carta" em latim),



Etimologia

De magna, feminino de "grande" em latim, e carta, ae, termo latino que se refere à folha de papiro pronta para a escrita e que está na origem da palavra "carta" em português.

DIREITOS HUMANOS

A presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.

Artigo I - Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.

Artigo II - Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

Não será tampouco feita qualquer distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.

Artigo III - Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo IV - Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.

Artigo V - Ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.

Artigo VI - Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa perante a lei.

Artigo VII - Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Artigo VIII - Toda pessoa tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.

Artigo IX - Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Artigo X - Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.

Artigo XI

*

Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

*

Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.


Artigo XII - Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.

Artigo XIII

*

Toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado.

*

Toda pessoa tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar.

Artigo XIV

*

Toda pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países.

*

Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos propósitos e princípios das Nações Unidas.

Artigo XV

*

Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade.

*

Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.

Artigo XVI - Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução.

*

O casamento não será válido senão como o livre e pleno consentimento dos nubentes.

*

A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado.

Artigo XVII

*

Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.

*

Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.

Artigo XVIII - Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.

Artigo XIX - Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Artigo XX

*

Toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas.

*

Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.

Artigo XXI

*

Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.

*

Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.

*

A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.

Artigo XXII - Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.

Artigo XXIII

*

Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.

*

Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.

*

Toda pessoa que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.

*

Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para a proteção de seus interesses.

Artigo XXIV - Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias periódicas remuneradas.

Artigo XXV

*

Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

*

A maternidade e a infância tem direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora de matrimônio, gozarão da mesmo proteção social.

Artigo XXVI

*

Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigratória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.

*

A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.

*

Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.

Artigo XXVII

*

Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus benefícios.

*

Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor.

Artigo XXVIII - Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.

Artigo XXIX

*

Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, em que o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível.

*

No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações determinadas por lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.

*

Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos propósitos e princípios das Nações Unidas.

Artigo XXX - Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.

QUESTÃO NEGRA "O PROBLEMA DA ABOLIÇÃO"

Desde o dia 22 de abril de 1500, nunca mais o Brasil se viu livre da discriminação, a qual nasceu com ele. Tudo começou com os índios, passando pelos negros escravos e alcançando os nossos dias, com a discriminação dos pobres, deficientes físicos, homossexuais, mulheres, crianças e adolescentes entre outros. Mas de todos os excluídos, os negros, com toda a certeza, foram os que mais sofreram com o preconceito. Junto com os indígenas, foram as grandes vítimas no Novo Mundo, sofrendo terríveis agonias e sofrimentos, participando de lutas, morte e martírio, em busca da libertação da horrível escravidão que lhes foi imposta. Durante os três primeiros séculos de história de nosso país, foram trazidos para cá, como escravos, mais de três milhões de africanos, os quais, através da força do seu trabalho, acumularam riquezas que hoje formam o patrimônio das atuais elites econômicas brasileiras. Com a abolição da escravatura, em 1888, o Estado Brasileiro deixou os negros à mercê da concorrência do mercado capitalista. Só depois de 100 anos do fim da escravidão, e mais de 400 anos de luta do povo negro, é que este Estado se propõe a pensar e elaborar políticas públicas para valorização dos descendentes de africanos escravizados no Brasil.

No Brasil Colônia, a base da economia e de sua riqueza estava no trabalho escravo. O Brasil foi o último país da América a abolir o terrível regime escravista, no ano de 1888, ato que condenou a Monarquia e abriu as portas para a República. Na época, o trabalho assalariado já despontava como o mais adequado à sociedade industrial em formação. Os negros, que até então não tinham outro trabalho a não ser o braçal se viram, repentinamente, sem labor ou onde morar, pois sua permanência nas terras do antigo senhor de escravos não era mais possível. Ao mesmo tempo, o Brasil abriu suas portas à mão de obra imigrante, principalmente de pessoas vindas da Europa, negligenciando os ex-escravos negros, em sua grande maioria, marginalizando-os, deixando-os sem trabalho e sem acesso à escola, refugiados em quilombos, favelas, mocambos e palafitas. De repente, os negros foram declarados livres e, após a alegria inicial, descobriram-se sem teto, trabalho e meios de sobrevivência. Durante a vida toda, os negros trabalhavam para seus senhores, nunca para si, recebendo um mínimo para sua subsistência. Com o fim da escravidão, não ocorreu aos abolicionistas a necessidade de garantir-lhes meios para sua sobrevivência nem a posse da terra para sua fixação. Favorecidos de um lado, a marginalização dos negros não acabou, apenas "mudou de roupagem", pois sua discriminação ganhou uma outra perspectiva: o esquecimento.

A partir do capitalismo o indivíduo negro, quando não permanecia desempregado por não possuir qualificação, passou a ser utilizado em serviços que exigiam mão-de-obra pesada. De escravo, o negro passou a ser assalariado, mas não ascende, socialmente, como os brancos. A qualificação era imprescindível no regime capitalista e, justamente por apresentar mais procura do que oferta, o mercado de trabalho era seletivo, estando os negros em último lugar na ordem de preferência. Esta tendência continua, ainda, nos dias de hoje, evidentemente. Os negros, em sua grande maioria, continuam sem vez e sem voz, em trabalhos mais pesados e em regime de quase semi-escravidão, particularmente nas fazendas. Aos negros sobraram os pequenos serviços: o comércio ambulante, o conserto, o biscate e, sobretudo, os serviços pessoais.



O Brasil é um país de dimensões continentais, dotado de recursos inimagináveis e, em sua maioria, ainda inexplorados. Além disso, desde que se tornou uma "esperança" mundial em tempos passados, como o "Jardim do Éden" dos povos em sua maioria provenientes da Europa e que fugiam de focos de guerras e revoluções que assolaram o continente, principalmente no século XIX e atual, esta terra se transformou numa gigantesca "Arca de Noé", acolhendo diversas raças e culturas que aqui depositaram sua confiança, sonhos e expectativas. O Brasil possui uma formação populacional altamente heterogênea em índices não experimentados por nenhuma outra nação do planeta, o que faz dele, realmente, um lugar especial e a prova viva de que é possível viver em harmonia étnica e cultural em meio a um oceano de miscigenação. Evidentemente que esta "harmonia" é relativa e deve ser observada com olhos atentos. Mas não se pode negar que o cenário nacional encontra-se livre de antecedentes históricos envolvendo atentados à bomba contra templos religiosos ou grupos racistas radicais declarados como se vê em países como Estados Unidos, França e Alemanha. O povo brasileiro, em toda a sua diversificação, é um povo uno, uma raça só oriunda de diversas outras raças, uma só entidade socio-política de larga base territorial. Mas esta aparente unidade não pode esconder uma outra realidade nacional: o racismo.

Apesar do negro ter alcançando a igualdade jurídica a partir da abolição, a desigualdade sócio-econômica com relação aos brancos se mantinha a mesma, e a ideologia de 400 anos de escravidão se mantinha forte, definindo a diferença entre os dois, sendo o negro eternamente visto como um indivíduo submisso e inferior aos brancos. Mais do que isso o negro, com o fim da escravidão, passa a ser visto como um fator de concorrência ao mercado de trabalho, a ameaça viva de tirar do branco as oportunidades que sempre lhe couberam. O preconceito racial continuou a ser exteriorizado de maneira discreta e branda e existe ainda hoje em várias regiões do Brasil, manifestando-se em maior ou menor grau, em todas as classes sociais.

Um exemplo típico de racismo se comprova com os dados de pesquisa do Datafolha, que publicou uma pesquisa onde revela que os negros são abordados com mais freqüência em batidas policiais, recebendo mais insultos e agressões físicas do que os indivíduos brancos. Por questão desta abordagem, são igualmente mais revistados que pessoas de outra etnia. A escolaridade e a condição financeira têm pouca influência sobre a freqüência e incidência destas batidas policiais e da violência que ora se comete. Esta violência é praticada quase sempre contra indivíduos negros ou mulatos, seja na forma de ofensa verbal ou agressão física. Conclui-se que os métodos de abordagem da polícia junto ao indivíduo levam em consideração sua aparência física (vestimentas), a etnia (fatos principal) e um estereótipo completamente fora de sentido: a expressão facial da pessoal. O indivíduo que se encontra dentro da tipificação psicológica acaba fazendo parte de um sistema seletivo e discriminatório, e este indivíduo, geralmente, é pobre, negro ou mulato.

De acordo com o criminalista Eugênio Raul Zaffaroni8, o que ocorre geralmente nestes casos de violência às camadas mais baixas da população é a aplicação da "teoria da vulnerabilidade". Geralmente os indivíduos são pobres e desconhecem o sentido da palavra cidadania. Vivem em lugares marginalizados, onde o Estado é praticamente ausente. O papel que lhe cabe é preenchido por bandidos. A polícia não repreende a ação criminosa e aterroriza os moradores. Estes não protestam, temendo uma reação ainda mais violenta. Episódios de violência em favelas provavelmente não aconteceriam em bairros ricos, principalmente em países desenvolvidos. Segundo Zaffaroni, nestes países os direitos humanos são violados com menos freqüência e as pessoas menos vulneráveis (aquelas que têm status social, econômico ou cultural) caem com mais freqüência nas malhas do aparelho repressivo do que no Brasil. Nestes países, os cidadãos têm mais instrução e tornam-se menos vulneráveis aos abusos dos agentes do Estado. Este é o caminho apontado por Zaffaroni: educar para aumentar o índice de vulnerabilidade ao aparelho repressivo estatal. Num simples entendimento: justiça para todos, sem exceção.



Infelizmente, o passado escravista registrou no inconsciente coletivo a absurda noção da inferioridade do negro, criando-se um preconceito que se manifesta de diferentes formas. E isto atingiu também muitos negros, que se sentem inferiores em relação à sua condição, chegando a abominar a sua própria cor, valorizando a cultura branca como padrão ideal. Por causa das razões históricas, os negros continuam sendo um dos setores mais pobres e sofridos da sociedade brasileira. Deles foi tirada a liberdade, dificultada a conservação de sua cultura e memória e, até hoje, não foi restituída efetivamente a condição da plena cidadania.

Estudos da Fundação SEADE revelam que, em 1996, havia o seguinte quadro de desemprego, só na região metropolitana de São Paulo: homens negros 77% maior que a dos brancos (20%); mulheres negras 20% em relação às brancas (15,6%). A inserção ocupacional das mulheres apresentava diferenças marcantes segundo a cor. Pouco mais de um terço das mulheres negras e 29% das pardas trabalham nos Serviços Domésticos, forma de ocupação de apenas 13% das brancas. No setor serviços estavam ocupadas 43% das negras e 36% das pardas. E na luta por trabalho, hoje, até postos de subemprego tradicionalmente ocupados pelos negros, estão em acirrada disputa pelo crescente número de desempregados. Para sobreviverem muitos afrodescendentes não encontram outro caminho que o arriscado mercado da droga e da contravenção. O país campeão de desigualdades tem grande parte de sua força de trabalho sobrevivendo em condições de subemprego, quando não de desemprego. O negro empregado acaba obtendo rendimentos inferiores aos percebidos pelo branco, sempre sendo relacionado a trabalhos com pouca qualificação. Por causa do preconceito, a mão-de-obra negra é direcionada para trabalhos domésticos e pesados, sendo a sua cor fator determinante, estando acima de sua qualificação e formação.

Ironicamente, mesmo com o preconceito vigente, o Brasil é o país com a segunda maior população negra do mundo. Mesmo com todo este contingente de indivíduos negros, poucos deles têm acesso ao que, a princípio, está disponível à população branca, como mercado de trabalho digno, escolas privadas ou universidades. Segundo o IBGE, em relação à qualidade de vida da população, o Brasil ocupa a 63ª posição no mundo. Considerando-se a população negra, o Brasil fica na 120ª posição mundial, ressaltando com isso a diferença entre os níveis de vida da população branca e da população negra. Uma pesquisa sobre desigualdade racial no Brasil, realizada pela Federação do Órgão para Assistência Social e Educacional - FASE, demonstrou índices que levam à conclusão de que a qualidade de vida da população negra está próxima a dos países mais pobres. As famílias negras ainda são marginalizadas no processo produtivo, sendo assim os seus filhos também são marginalizados. Desta forma, no momento em que a criança deveria estar na escola ela está na rua procurando sobreviver. Segundo dados do UNICEF, de 2000 menores carentes, 1600 são negros. Os negros e mulatos constituem um setor desproporcionalmente alto entre os pobres, uma vez que estes representam 42,5% da população total, mas 62,4% da população pobre. A pirâmide social coloca homens brancos e mulheres brancas no topo e homens negros e mulheres negras na base, estando a mulher negra em situação ainda pior.



Quanto à educação, um relatório sobre Direitos Humanos realizado pela Organização dos Estados Americanos revelou que, em 1992 o analfabetismo entre os negros chegava à casa dos 30% e se elevava a 36,4% no Nordeste do Brasil. O relatório concluiu que problema do analfabetismo guarda relação com a falta de acesso da população negra à educação formal e o problema da abstenção escolar das crianças de raça negra é muito freqüente, já que estas são obrigadas a deixar a escola para ajudar no sustento familiar. Neste contexto, a "cor", além da "escolaridade dos pais e a renda familiar" são fatores determinantes do acesso das crianças à escola. Em relação aos avanços nos níveis de escolaridade, 4% dos negros conseguem ingressar na universidade, em comparação com 13% entre os brancos. Um exemplo da margem diferencial de acesso é dado pelas cifras referentes à Universidade de São Paulo, de cujos 50 000 estudantes em 1994, apenas 2% eram negros. A situação repete-se em diferentes universidades do país, mesmo em cidades como Salvador, com maioria populacional afro-brasileira. E quem não tem condições de adquirir uma boa formação escolar vê reduzidas as possibilidades de encontrar trabalho digno no mercado.



No que diz respeito à violência policial no Brasil, segundo pesquisa do Datafolha, os negros são abordados com mais freqüência durante as blitz, recebem mais insultos e mais agressões físicas que os brancos. A desvantagem, revelada pela pesquisa Datafolha, não pára por aí: percentualmente, também há mais revistados negros que qualquer outro grupo étnico.

Entre os da raça negra, quase metade (48%) já foi revistada alguma vez. Desses, 21% já foram ofendidos verbalmente e 14%, agredidos fisicamente por policiais. Os pardos superam os negros em ofensas: 27% deles foram ofendidos verbalmente e 12% agredidos fisicamente. Ao todo, 46% já foram revistados alguma vez. A população branca é menos visada pela polícia. Entre estes, 34% já passaram por uma revista, 17% ouviram ofensas e 6% já foram agredidos, menos da metade da incidência entre negros. Em cada três negros, um (35%, exatamente) teme mais a polícia que os bandidos e outro teme os dois na mesma proporção, aponta o levantamento. Para os entrevistados de cor branca, somente 19% (um em cada cinco) temem mais a polícia. Quase a metade, 47%, tem mais medo dos bandidos do que da polícia.

Quanto à criminalidade, constatou-se que dos homicídios dolosos contra menores, 54% das vítimas eram menores negros e 33,9% eram brancas, inserindo-se as restantes a outras categorias. Da população dos presídios, 68% das pessoas presas têm menos de 25 anos de idade, sendo que 2/3 são negros e mulatos;

Não se pode ignorar o racismo, o preconceito, a discriminação, aceitando os estereótipos que marginalizam, oprimem, humilham e matam o povo negro. A Constituição de 1988 soube repudiar a marginalização do negro, tipificando o racismo como crime em seu artigo 5° , inciso XLII. Mesmo assim, ainda imperam no país diferentes formas de discriminação racial, velada ou ostensiva, que afetam mais da metade da população brasileira, constituída de negros ou descendentes de negros privados do pleno exercício da cidadania. Os casos de discriminação racial que vêm acontecendo durante anos neste país merecem uma apreciação mais cuidadosa por parte das autoridades, correndo o risco de se transformar (se é que já não se transformou) num ato de omissão diante do dever do direito em realizar a justiça, ao menos a justiça dos homens. O preconceito racial se constitui um grave obstáculo ao exercício do direito à igualdade. Os negros têm de lutar contra tudo aquilo que está sedimentado e que, quase inconscientemente, é posto em circulação na nossa sociedade. Para lutar contra o preconceito é preciso realizar atos que demonstrem a necessidade de que os segmentos vítimas de discriminação tenham seus direitos reconhecidos. Infelizmente, ainda estamos longe de constituir uma verdadeira democracia racial e, apesar de sermos uma nação etnicamente plural, as "minorias", sobretudo os negros, não têm o mesmo reconhecimento dos brancos colonizadores. O espaço negro é limitado e o indivíduo é discriminado, não sendo reconhecido em suas atividades. Discriminado e marginalizado, o negro é visto perante a sociedade como um indivíduo sem qualificação, limitado, estando restrito ao mercado de trabalho formal. Sempre é colocado em posições inferiores, sendo o que mais sofre com a péssima situação sócio-econômica do país, estigmatizado por ser "escuro" ou pardo. E, ironicamente, o negro é a grande força de trabalho do Brasil, porém o que mais sofre com as crises e com a discriminação. No passado, ele ajudou a construir este país para os brancos; no presente, quando tenta desfrutar o produto de seu trabalho, encontra as portas fechadas pela terra à qual se dedicou.

A INVENÇÃO DO DESCOBRIMENTO ,"OS VERDADEIROS DONOS DO BRASIL"

A resistência do índio à imposição do homem branco não foi suficiente para garantir sua plena liberdade, até então desfrutada, pois os portugueses escravizaram milhares de índios durante o período colonial. As atividades a que os índios eram forçados a trabalhar eram a lavoura canavieira, a coleta de cacau, baunilha, guaraná, pimenta, cravo, castanho-do-pará e madeiras, entre outras atividades. Foram escravizados e espoliados, já naquela época.

Os portugueses nunca conseguiram entender como povos tão simples e ingênuos, descrentes no Deus da Igreja, conseguiam aparentar tanta felicidade. Como essa gente podia viver sem o verdadeiro Deus? E como explicar a indiferença pelo ouro que tinham sob seus pés, enquanto o homem branco matava e morria por ele? A mesma pergunta, em sentido contrário, deveriam fazer os índios, em sua limitada compreensão do que estava acontecendo. E também devem ter se perguntado o porquê de um Deus, de uma religião tão estranha a eles, de uma cultura, língua e costumes que nunca lhes havia feito falta, tampouco tinham conhecimento de sua existência. Mas o pior aconteceu: os índios que não aceitavam a "invasão" foram aniquilados, enquanto que os poucos que cederam a ela, perderam sua própria identidade ao assimilarem uma cultura totalmente estranha e avessa a sua.

No Brasil de hoje, segundo relatório da Organização dos Estados Americanos sobre a questão dos Direitos Humanos no Brasil, os povos indígenas reivindicam direitos legais sobre 11% do território nacional e têm obtido importantes reconhecimentos dos mesmos. Em sua grande maioria, as terras indígenas (aproximadamente 95%) situam-se na Amazônia, ocupando cerca de 18% da região, e nelas vivem pouco menos de 50% dos indígenas brasileiros. Em contraste, outros 50% dos indígenas são habitantes de áreas do sul do Brasil, cuja superfície é inferior a 2% do total dos territórios indígenas. Nos últimos 30 anos, os povos indígenas brasileiros intensificaram sua participação na vida política, aumentando, em conseqüência, o reconhecimento geral dos seus direitos. Um fator essencial para tal foi, paradoxalmente, a expansão da infra-estrutura econômica moderna para o interior do Brasil, iniciada a partir do fim da Segunda Guerra Mundial e acelerada nas décadas de 60 e 70, sob os regimes militares. Em resposta a essa expansão, que avançava para o interior das suas áreas ancestrais, iniciaram-se grandes mobilizações de indígenas e de organizações que defendiam e promoviam seus direitos humanos.

Segundo o jornal Folha de São Paulo, um levantamento da Funai diz que há 161 áreas indígenas a serem identificadas para demarcação, sendo que em 66 delas o trabalho já começou. A identificação consiste na elaboração, pela Funai, da proposta de criação de uma área indígena, a partir da localização de um grupo específico e da realização de estudos etnológicos, históricos, demográficos, sociológicos etc. Depois da identificação, vem a demarcação da área, sua homologação pelo presidente da República e a regularização fundiária - o que costuma demorar anos. Os líderes indígenas e as organizações não-governamentais comemoraram, nos últimos anos, a demarcação da área ianomâmi e a demarcação da área Raposa-Serra do Sol, esta em Roraima, em território contínuo.

A constituição de 1988, no seu capítulo VIII, foi sábia ao consagrar como permanentes os direitos originais inerentes aos povos indígenas por sua condição de primeiros e contínuos ocupantes históricos de suas terras, um verdadeiro marco na história da luta destes povos pelos seus direitos. É lamentável que a garantia de seus direitos tenha sido reconhecida tão tardiamente, pois, dos cinco milhões de índios que habitavam o Brasil, quando da chegada dos primeiros portugueses, restam hoje mais ou menos 330 mil, sobrevivendo em condições precárias e sob constante ameaça, principalmente dos garimpeiros. E continuam sendo escravizados e espoliados, pela precariedade da aplicação da lei. Infelizmente, apesar de algumas garantias inovadoras, pouca coisa mudou em 500 anos.

HOMOSSEXUALIDADE

A homossexualidade convive conosco, no nosso dia-a-dia e ninguém pode fechar os olhos para isso. E fechar os olhos é demonstrar ignorância diante de um fato que permeia a vida social desde os primórdios da humanidade. Indivíduos homossexuais sempre existiram e existirão. Seja no trabalho, na vida social ou mesmo no seio familiar, a homossexualidade precisa ser encarada como algo natural e livre para se expandir. Sim, expandir-se, pois sua expressão natural passou a ser severamente reprimida a partir do advento do Cristianismo. As idéias preconceituosas e errôneas noções religiosas são as principais vilãs neste problema que toma aberta discussão no fim do século XX. Infelizmente, muito ainda há que ser discutido, seja social ou juridicamente, mas o importante é que já existe uma pré-disposição da sociedade para discutir este tema tão polêmico para alguns, mas tão natural para outros. Uma pena que a visão positiva da homossexualidade esteja ofuscada pelo medo e ódio infundados e baseados em mero preconceito. A literatura está repleta de pessoas que afirmaram admirar um parente ou amigo até o dia em que descobriram se tratar de um indivíduo homossexual. De repente, todos os valores e qualidades daquele ente querido desapareceram, num passe de mágica, simplesmente porque sua orientação sexual revelada não "condizia com os princípios da sociedade".

É neste sentido que surge uma segunda questão: o que é condizente com os princípios sociais? Matar e roubar não é condizente. Mas nosso Código Penal ampara aquele que mata para se proteger e dá como atenuante o fato de alguém roubar para sobreviver, como o roubo de alimentos, por exemplo. Então, proibir o indivíduo de matar e roubar não pode ser visto como algo perfeito, acabado e não mais discutível. Pelo contrário, surge a discussão em torno da ética humana, avaliando até que ponto algo pode ou não ser aceitável. A dúvida que prevalece é por quê matar ou roubar é aceitável, até determinado ponto, na esfera social, mas não a homossexualidade? Por quê um indivíduo que manifesta uma orientação sexual distinta da orientação dita como "natural" deve ser visto como um indivíduo à margem da sociedade? Que crime cometeu um homossexual por ter se desenvolvido como tal? Quantos excelentes médicos, advogados, artistas, estudiosos não brindaram o mundo com seu talento, mesmo sendo homossexuais, e nem por isso deixaram de ser menos humanos? Até que ponto a hipocrisia de alguns vai ditar as regras da vida em sociedade? Difícil responder nestes dias turbulentos em que a falta de informação e a ignorância ainda prevalecem no meio em que vivemos, não apenas no Brasil, mas no mundo todo.

Hoje, a liberação sexual toma corpo e ganha terreno numa busca frenética para alcançar uma ordem social. Na verdade, não são os valores que estão perdidos, como pregam alguns, mas o senso de direção dos homens encontra-se alterado. Sente-se, neste fim de milênio, uma necessidade do homem se encontrar. E não é reprimindo ou liberando sua sexualidade que isso se dará, mas dar a ele a liberdade de ser o que é, realmente.

A “caça às bruxas”: uma interpretação feminista

A “caça às bruxas é um elemento histórico da Idade Média. Entre os séculos XV e XVI o “teocentrismo” – Deus como o centro de tudo – decai dando lugar ao “antropocentrismo“, onde o ser humano passa a ocupar o centro. Assim, a arte, a ciência e a filosofia desvincularam-se cada vez mais da teologia cristã, conduzindo, com isso a uma instabilidade e descentralização do poder da Igreja. Como uma forma de reconquistar o centro das atenções e o poder perdido, a Igreja Católica instaurou os “Tribunais da Inquisição”, efetivando-se assim a “caça às bruxas“. Mas quem eram, enfim, estas mulheres que fizeram parte de um capítulo tão horrendo da história da humanidade, e por que o feminismo retoma as bruxas como um dos seus principais símbolos?
1. A “caça às bruxas”

A “caça às bruxas” durou mais de quatro séculos e ocorreu, principalmente, na Europa, iniciando-se, de fato,em1450 e tendo seu fim somente por volta de 1750, com a ascensão do Iluminismo. A “caça às bruxas” admitiu diferentes formas, dependendo das regiões em que ocorreu, porém, não perdeu sua característica principal: uma massiva campanha judicial realizada pela Igreja e pela classe dominante contra as mulheres da população rural (EHRENREICH & ENGLISH, 1984: 10). Essa campanha foi assuminda, tanto pela Igreja Católica, como a Protestante e até pelo próprio Estado, tendo um significado religioso, político e sexual. Estima-se que aproximadamente 9 milhões de pessoas foram acusadas, julgadas e mortas neste período, onde mais de 80% eram mulheres, incluindo crianças e moças que haviam “herdado este mal” (MENSCHIK, 1977: 132).

1.1. Quem eram as bruxas

Ao buscarmos uma definição do termo “bruxa” em dicionários, logo pode-se perceber a direta vinculação com uma figura maléfica, feia e perigosa. Neste sentido, também os livros infanto-juvenis costumam descrever histórias onde existe uma fada boa e linda e uma bruxa má e horrível.[1]

Ao analisarmos o contexto histórico da Idade Média, vemos que bruxas eram as parteiras, as enfermeiras e as assistentes. Conheciam e entendiam sobre o emprego de plantas medicinais para curar enfermidades e epidemias nas comunidades em que viviam e, conseqüentemente, eram portadoras de um elevado poder social. Estas mulheres eram, muitas vezes, a única possibilidade de atendimento médico para mulheres e pessoas pobres. Elas foram por um longo período médicas sem título. Aprendiam o ofício umas com as outras e passavam esse conhecimento para suas filhas, vizinhas e amigas.

Segundo afirmam EHERENREICH & ENGLISH (1984, S. 13), as bruxas não surgiram espontaneamente, mas foram fruto de uma campanha de terror realizada pela classe dominante. Poucas dessas mulheres realmente pertenciam à bruxaria, porém, criou-se uma histeria generalizada na população, de forma que muitas das mulheres acusadas passavam a acreditar que eram mesmo bruxas e que possuíam um “pacto com o demônio”.

O estereótipo das bruxas era caracterizado, principalmente, por mulheres de aparência desagradável ou com alguma deficiência física, idosas, mentalmente perturbadas, mas também por mulheres bonitas que haviam ferido o ego de poderosos ou que despertavam desejos em padres celibatários ou homens casados.

1.2. A “caça às bruxas e o “Tribunal da Inquisição”

Com a ascensão da Igreja Católica, o patriarcado imperou, até mesmo porque Jesus era um homem. Neste contexto, tudo o que a mulher tentava realizar, por conta própria, era visto como uma imoralidade (ALAMBERT, Ano II: 7). Os costumes pagãos que adoravam deuses e deusas, passaram a ser considerados uma ameaça. Em 1233, o papa Gregório IX instituiu o Tribunal Católico Romano, conhecido como “Inquisição” ou “Tribunal do Santo Ofício”, que tinha o objetivo de terminar com a heresia e com os que não praticavam o catolicismo. Em 1320 a Igreja declarou oficialmente que a bruxaria e a antiga religião dos pagãos representavam uma ameaça ao cristianismo, iniciando-se assim, lentamente, a perseguição aos hereges.

A “caça às bruxas” coincidiu com grandes mudanças sociais em curso na Europa. A nova conjuntura gerou instabilidade e descentralização no poder da Igreja. Além disso, a Europa foi assolada neste período por muitas guerras, cruzadas, pragas e revoltas camponesas, e se buscava culpados para tudo isso. Sendo assim, não foi difícil para a Igreja encontrar motivos para a perseguição das bruxas.

Para reconquistar o centro das atenções e o poder, a Igreja Católica efetivou a conhecida “caça às bruxas”. Com o apoio do Estado, criou tribunais, os chamados “Tribunais da Inquisição” ou “Tribunais do Santo Ofício”, os quais perseguiam, julgavam e condenavam todas as pessoas que representavam algum tipo de ameaça às doutrinas cristãs. As penas variavam entre a prisão temporária até a morte na fogueira. Em 1484 foi publicado pela Igreja Católica o chamado “Malleus Maleficarum”, mais conhecido como “Martelo das Bruxas”. Este livro continha uma lista de requerimentos e indícios para se condenar uma bruxa. Em uma de suas passagens, afirmava claramente, que as mulheres deveriam ser mais visadas neste processo, pois estas seriam, “naturalmente”, mais propensas às feitiçarias (MENSCHIK, 1977: 132 e EHRENREICH & ENGLISH, 1984: 13).

1. 3. Os “crimes” praticados pelas bruxas

No contexto da “caça às bruxas” haviam várias acusações contra as mulheres. As vítimas eram acusadas de praticar crimes sexuais contra os homens, tendo firmado um “pacto como demônio”. Também eram culpadas por se organizarem em grupos – geralmente reuniam-se para trocar conhecimentos acerca de ervas medicinais, conversar sobre problemas comuns ou notícias. Outra acusação levantada contra elas, era de que possuíam “poderes mágicos”, os quais provocavam problemas de saúde na população, problemas espirituais e catástrofes naturais (EHRENREICH & ENGLISH, 1984: 15).

Além disso, o fato dessas mulheres usarem seus conhecimentos para a cura de doenças e epidemias ocorridas em seus povoados, acabou despertando a ira da instituição médica masculina em ascensão, que viu na Inquisição um bom método de eliminar as suas concorrentes econômicas, aliando-se a ela.

1.4. Perseguição e condenação à fogueira

Qualquer pessoa podia ser denunciada ao “Tribunal da Inquisição”. Os suspeitos, em sua grande maioria mulheres, eram presos e considerados culpados até provarem sua inocência. Geralmente, não podiam ser mortos antes de confessarem sua ligação com o demônio. Na busca de provas de culpabilidade ou a confissão do crime, eram utilizados procedimentos de tortura como: raspar os pêlos de todo o corpo em busca de marcas do diabo, que podiam ser verrugas ou sardas; perfuração da língua; imersão em água quente; tortura em rodas; perfuração do corpo da vítima com agulhas, na busca de uma parte indolor do corpo, parte esta que teria sido “tocada pelo diabo”; surras violentas; estupros com objetos cortantes; decapitação dos seios. A intenção era torturar as vítimas até que assinassem confissões preparadas pelos inquisitores. Geralmente, quem sustentava sua inocência, acabava sendo queimada viva. Já as que confessavam, tinham uma morte mais misericordiosa: eram estranguladas antes de serem queimadas. Em alguns países, como Alemanha e França, eram usadas madeiras verdes nas fogueiras para prorrogar o sofrimento das vítimas. E, na Itália e Espanha, as bruxas eram sempre queimadas vivas. Os postos de caçadores de bruxas e informantes eram financeiramente muito rentáveis. Estes, eram pagos pelo Tribunal por condenação ocorrida e os bens dos condenados eram todos confiscados.

O fim da “caça às bruxas” ocorreu somente no século XVIII, sendo que a última fogueira foi acesa em 1782, na Suíça. Porém, a Lei da Igreja Católica que fundou os “Tribunais da Inquisição”, permaneceu em vigor até meados do século XX. A “caça às bruxas” foi, sem dúvida, um processo bem organizado, financiado e realizado conjuntamente pela Igreja e o Estado.[2]

2. O feminismo e o resgate da imagem das bruxas

Diante de tantas mortes de mulheres acusadas por bruxaria durante este período, podemos afirmar que o ocorrido se tratou de um verdadeiro genocídio contra o sexo feminino, com a finalidade de manter o poder da Igreja e punir as mulheres que ousavam manifestar seus conhecimentos médicos, políticos ou religiosos. Existem registros de que, em algumas regiões da Europa a bruxaria era compreendida como uma revolta de camponeses conduzida pelas mulheres (EHRENREICH & ENGLISH, 1984: 12). Nesse contexto político, pode-se citar a camponesa Joana D`arc, que aos 17 anos, em 1429, comandou o exército francês, lutando contra a ocupação inglesa. Esta acabou sendo julgada como feiticeira e herege pela Inquisição e queimada na fogueira antes de completar 20 anos. Diante disso, configurava-se a clara intenção da classe dominante em conter um avanço da atuação destas mulheres e em acabar com seu poder na sociedade, a tal ponto que se utilizava meios de simplesmente exterminá-las.

O feminismo busca resgatar a verdadeira imagem das bruxas em nossa história, analisando não somente os aspectos religiosos, mas também políticos e sociais que envolveram a “caça às bruxas” na Idade Média. No olhar feminista, as bruxas, através de seus conhecimentos medicinais e sua atuação em suas comunidades, exerciam um contra-poder, afrontando o patriarcado e, principalmente, o poder da Igreja. Em verdade, elas nada mais foram do que vítimas do patriarcado (ALAMBERT, Ano II, n° 48: 7). Atualmente, as mulheres ainda continuam sendo discriminadas e duramente criticadas por lutarem pela igualdade de gênero e a divisão do poder social e econômico, que ainda é predominantemente masculino, continuando vítimas do patriarcado. Por isto, as bruxas representam para o movimento feminista não somente resistência, força, coragem, mas também a rebeldia na busca de novos horizontes emancipadores.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

UMA POÉTICA FÁBULA DE AMOR DA MITOLOGIA

~ A História de Cupido e Psique ~

Psique era uma jovem tão linda que Vênus passou a ter ciúmes dela. A deusa deu ordens a Cupido para induzir Psique a apaixonar-se por alguma criatura de má aparência, porém o próprio Cupido tornou-se seu amante. Cupido a pôs num palácio, mas somente a visitava na escuridão e a proibiu de tentar vê-lo. Movidas pelo ciúme as irmãs de Psique disseram-lhe que ele era um monstro e iria devorá-la.

Certa noite Psique pegou uma lamparina e iluminou o quarto para ver Cupido adormecido. Excitada diante da visão de sua beleza ela deixou cair sobre Cupido uma gota do óleo da lamparina, e o despertou. Por causa disso o deus abandonou-a, ressentido pela sua desobediência. Sozinha e cheia de remorsos Psique procurou o amante por toda a terra, e várias tarefas difíceis lhe foram impostas por Vênus. A primeira delas foi separar na escuridão da noite as impurezas de um monte enorme de várias espécies de grãos, porém as formigas apiedaram-se de Psique e vieram em grande número para realizar a tarefa por ela.

E assim, por um meio ou por outro, todas as tarefas foram executadas, exceto a última, que consistia em descer ao Hades e trazer o cofre da beleza usado por Perséfone. Psique havia praticamente conseguido realizar a proeza, quando teve a curiosidade de abrir o cofre; este continha não a beleza, e sim um sono mortal que a dominou. Entretanto Júpiter, pressionado por Cupido, consentiu finalmente em seu casamento com a amante, e Psique subiu ao céu.

"Embora sem um templo, embora sem altar!"

SAIBA MAIS SOBRE" PATATIVA DO ASSARÉ"


Patativa do Assaré era o nome artístico (pseudônimo) de Antônio Gonçalves da Silva. Nasceu em 5 de março de 1909, na cidade de Assaré (estado do Ceará). Foi um dos mais importantes representantes da cultura popular nordestina
Dedicou sua vida a produção de cultura popular (voltada para o povo marginalizado e oprimido do sertão nordestino). Com uma linguagem simples, porém poética, destacou-se como compositor, improvisador e poeta. Produziu também literatura de cordel, porém nunca se considerou um cordelista.

Sua vida na infância foi marcada por momentos difíceis. Nasceu numa família de agricultores pobres e perdeu a visão de um olho. O pai morreu quando tinha oito anos de idade. A partir deste momento começou a trabalhar na roça para ajudar no sustento da família.

Foi estudar numa escola local com doze anos de idade, porém ficou poucos meses nos bancos escolares. Nesta época, começou a escrever seus próprios versos e pequenos textos. Ganhou da mãe uma pequena viola aos dezesseis anos de idade. Muito feliz, passou a escrever e cantar repentes e se apresentar em pequenas festas da cidade.

Ganhou o apelido de Patativa, uma alusão ao pássaro de lindo canto, quando tinha vinte anos de idade. Nesta época, começou a viajar por algumas cidades nordestinas para se apresentou como violeiro. Cantou também diversas vezes na rádio Araripe.

No ano de 1956, escreveu seu primeiro livro de poesias “Inspiração Nordestina”. Com muita criatividade, retratou aspectos culturais importantes do homem simples do Nordeste. Após este livro, escreveu outros que também fizeram muito sucesso. Ganhou vários prêmios e títulos por suas obras.

Patativa do Assaré faleceu no dia 8 de julho de 2002 em sua cidade natal.

Livros· Inspiração Nordestina - 1956
· Inspiração Nordestina: Cantos do Patativa -1967
· Cante Lá que Eu Canto Cá - 1978
· Ispinho e Fulô - 1988
· Balceiro. Patativa e Outros Poetas de Assaré - 1991
· Cordéis - 1993
· Aqui Tem Coisa - 1994
· Biblioteca de Cordel: Patativa do Assaré - 2000
· Balceiro 2. Patativa e Outros Poetas de Assaré - 2001
· Ao pé da mesa – 2001

Poemas mais conhecidos· A Triste Partida
· Cante Lá que eu Canto Cá
· Coisas do Rio de Janeiro
· Meu Protesto
· Mote/Glosas
· Peixe
· O Poeta da Roça
· Apelo dum Agricultor
· Se Existe Inferno
· Vaca estrela e Boi Fubá
· Você e Lembra?

ABC DO NORDESTE FLAGELADO

A — Ai, como é duro viver
nos Estados do Nordeste
quando o nosso Pai Celeste
não manda a nuvem chover.
É bem triste a gente ver
findar o mês de janeiro
depois findar fevereiro
e março também passar,
sem o inverno começar
no Nordeste brasileiro.

B — Berra o gado impaciente
reclamando o verde pasto,
desfigurado e arrasto,
com o olhar de penitente;
o fazendeiro, descrente,
um jeito não pode dar,
o sol ardente a queimar
e o vento forte soprando,
a gente fica pensando
que o mundo vai se acabar.

C — Caminhando pelo espaço,
como os trapos de um lençol,
pras bandas do pôr do sol,
as nuvens vão em fracasso:
aqui e ali um pedaço
vagando... sempre vagando,
quem estiver reparando
faz logo a comparação
de umas pastas de algodão
que o vento vai carregando.

D — De manhã, bem de manhã,
vem da montanha um agouro
de gargalhada e de choro
da feia e triste cauã:
um bando de ribançã
pelo espaço a se perder,
pra de fome não morrer,
vai atrás de outro lugar,
e ali só há de voltar,
um dia, quando chover.

E — Em tudo se vê mudança
quem repara vê até
que o camaleão que é
verde da cor da esperança,
com o flagelo que avança,
muda logo de feição.
O verde camaleão
perde a sua cor bonita
fica de forma esquisita
que causa admiração.

F — Foge o prazer da floresta
o bonito sabiá,
quando flagelo não há
cantando se manifesta.
Durante o inverno faz festa
gorjeando por esporte,
mas não chovendo é sem sorte,
fica sem graça e calado
o cantor mais afamado
dos passarinhos do norte.

G — Geme de dor, se aquebranta
e dali desaparece,
o sabiá só parece
que com a seca se encanta.
Se outro pássaro canta,
o coitado não responde;
ele vai não sei pra onde,
pois quando o inverno não vem
com o desgosto que tem
o pobrezinho se esconde.

H — Horroroso, feio e mau
de lá de dentro das grotas,
manda suas feias notas
o tristonho bacurau.
Canta o João corta-pau
o seu poema funério,
é muito triste o mistério
de uma seca no sertão;
a gente tem impressão
que o mundo é um cemitério.

I — Ilusão, prazer, amor,
a gente sente fugir,
tudo parece carpir
tristeza, saudade e dor.
Nas horas de mais calor,
se escuta pra todo lado
o toque desafinado
da gaita da seriema
acompanhando o cinema
no Nordeste flagelado.

J — Já falei sobre a desgraça
dos animais do Nordeste;
com a seca vem a peste
e a vida fica sem graça.
Quanto mais dia se passa
mais a dor se multiplica;
a mata que já foi rica,
de tristeza geme e chora.
Preciso dizer agora
o povo como é que fica.

L — Lamento desconsolado
o coitado camponês
porque tanto esforço fez,
mas não lucrou seu roçado.
Num banco velho, sentado,
olhando o filho inocente
e a mulher bem paciente,
cozinha lá no fogão
o derradeiro feijão
que ele guardou pra semente.

M — Minha boa companheira,
diz ele, vamos embora,
e depressa, sem demora
vende a sua cartucheira.
Vende a faca, a roçadeira,
machado, foice e facão;
vende a pobre habitação,
galinha, cabra e suíno
e viajam sem destino
em cima de um caminhão.

N — Naquele duro transporte
sai aquela pobre gente,
agüentando paciente
o rigor da triste sorte.
Levando a saudade forte
de seu povo e seu lugar,
sem um nem outro falar,
vão pensando em sua vida,
deixando a terra querida,
para nunca mais voltar.

O — Outro tem opinião
de deixar mãe, deixar pai,
porém para o Sul não vai,
procura outra direção.
Vai bater no Maranhão
onde nunca falta inverno;
outro com grande consterno
deixa o casebre e a mobília
e leva a sua família
pra construção do governo.

P - Porém lá na construção,
o seu viver é grosseiro
trabalhando o dia inteiro
de picareta na mão.
Pra sua manutenção
chegando dia marcado
em vez do seu ordenado
dentro da repartição,
recebe triste ração,
farinha e feijão furado.

Q — Quem quer ver o sofrimento,
quando há seca no sertão,
procura uma construção
e entra no fornecimento.
Pois, dentro dele o alimento
que o pobre tem a comer,
a barriga pode encher,
porém falta a substância,
e com esta circunstância,
começa o povo a morrer.

R — Raquítica, pálida e doente
fica a pobre criatura
e a boca da sepultura
vai engolindo o inocente.
Meu Jesus! Meu Pai Clemente,
que da humanidade é dono,
desça de seu alto trono,
da sua corte celeste
e venha ver seu Nordeste
como ele está no abandono.

S — Sofre o casado e o solteiro
sofre o velho, sofre o moço,
não tem janta, nem almoço,
não tem roupa nem dinheiro.
Também sofre o fazendeiro
que de rico perde o nome,
o desgosto lhe consome,
vendo o urubu esfomeado,
puxando a pele do gado
que morreu de sede e fome.

T — Tudo sofre e não resiste
este fardo tão pesado,
no Nordeste flagelado
em tudo a tristeza existe.
Mas a tristeza mais triste
que faz tudo entristecer,
é a mãe chorosa, a gemer,
lágrimas dos olhos correndo,
vendo seu filho dizendo:
mamãe, eu quero morrer!

U — Um é ver, outro é contar
quem for reparar de perto
aquele mundo deserto,
dá vontade de chorar.
Ali só fica a teimar
o juazeiro copado,
o resto é tudo pelado
da chapada ao tabuleiro
onde o famoso vaqueiro
cantava tangendo o gado.

V — Vivendo em grande maltrato,
a abelha zumbindo voa,
sem direção, sempre à toa,
por causa do desacato.
À procura de um regato,
de um jardim ou de um pomar
sem um momento parar,
vagando constantemente,
sem encontrar, a inocente,
uma flor para pousar.

X — Xexéu, pássaro que mora
na grande árvore copada,
vendo a floresta arrasada,
bate as asas, vai embora.
Somente o saguim demora,
pulando a fazer careta;
na mata tingida e preta,
tudo é aflição e pranto;
só por milagre de um santo,
se encontra uma borboleta.

Z — Zangado contra o sertão
dardeja o sol inclemente,
cada dia mais ardente
tostando a face do chão.
E, mostrando compaixão
lá do infinito estrelado,
pura, limpa, sem pecado
de noite a lua derrama
um banho de luz no drama
do Nordeste flagelado.

Posso dizer que cantei
aquilo que observei;
tenho certeza que dei
aprovada relação.
Tudo é tristeza e amargura,
indigência e desventura.
— Veja, leitor, quanto é dura
a seca no meu sertão.