terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

METADE (Oswaldo Montenegro)


e que a força do medo que tenho
não me impeça de ver o que anseio
e que a morte de tudo que acredito
não me tape os ouvidos e a boca
porque metade de mim é o que eu grito
mas a outra metade é silêncio

que a música que eu ouço ao longe
seja linda, ainda que tristeza
que a mulher que eu amo seja pra sempre amada,
mesmo que distante
porque metade de mim é partida
mas a outra metade é saudade

que as palavras que eu digo
não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor
apenas respeitadas
como a única coisa que resta a um homem
inundado de sentimento
porque metade de mim é o que eu ouço
mas a outra metade é o que calo

que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma e na paz que eu mereço
que essa tensão que me corrói por dentro
seja um dia recompensada
porque metade de mim é o que eu penso
e a outra metade é um vulcão

que o medo da solidão se afaste
que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável
que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
que eu me lembre ter dado na infância
porque metade de mim é a lembrança do que fui
e a outra metade eu não sei

que não seja preciso mais do que uma simples alegria
pra me fazer aquietar o espírito
e que o teu silêncio
me fale cada vez mais
porque metade de mim é abrigo
mas a outra metade é cansaço

que a arte nos aponte uma resposta
mesmo que ela não saiba
e que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer
porque metade de mim é a platéia
e a outra metade é a canção

e que a minha loucura seja perdoada
porque metade de mim é amor
e a outra metade
também

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